
Enfim, uma teta! - comemora Pavão, aliviado. Já estava vendo-se em cólicas com a possibilidade de acabar de mãos abanando. Durante décadas suas delicadas mãos permitiram-se apenas o esforço de abanar bandeirinhas e massagear egos sensíveis. Não estavam acostumadas com trabalho mais elaborado e degradante. Este deve ficar, é claro, a cargo dos tolos que sustentam suas mordomias.
E que boa teta lhe arrumaram. Adequada para muitas viagens e abundantes diárias (espécie de ração utilizada para alimentar essa rara espécie de ave mamífera só encontrada por essas bandas). Pavão iria se fartar de diárias. Poderia desfilar pelos pagos altivo e garboso, exibindo sua melhor plumagem. Em ocasiões apropriadas vestiria sua velha fantasia de colono sofrido, com um grande chapéu de palha de boa grife e o eterno discurso de homem da terra que tão bem decorara ao longo de tantos anos representando o mesmo papel. Era só caprichar no sotaque, na entonação chorosa e no português sofrível. Sua atuação era sempre invejável. Mesmo um agricultor legítimo, de mãos calejadas pelo trabalho diário, chega quase a acreditar que Pavão realmente entende alguma coisa do tema.
E quantos eventos poderia realizar! Como todos os membros de seu clã, Pavão adorava eventos. E com que facilidade conseguia criá-los. A parte mais difícil da elaboração era encontrar um bom título para esses espetáculos. Tinham que ser longos e conter palavras chaves como inclusão, inclusiva, cidadã, participativa, popular e solidária. Se o título conseguisse conter todos esses chavões juntos atingiria a perfeição. Não importa se ao final o objetivo e a natureza do evento não fizessem qualquer sentido, coerência e nexo não são necessários nesse ramo de atividades. Decidido o título o resto era barbada. Bastava jogar em uma grande sala algumas dezenas de companheiros de inutilidade, eternos representantes de coisa alguma, hábeis em vender ideologias vazias e defender com desenvoltura os interesses do grande clã. Entre essas ilustres figuras os mais conhecidos são as chamadas representações populares como o SindiPelego (agregação de todos o pseudo-sindicatos, que na atualidade erguem a bandeira dos trabalhadores, mas defendem interesses próprios e dos atuais donos do poder e dos recursos públicos), CUT (Companheiros Unidos no Trambique) e o poderoso MSTT (Movimento só Tramóia e Trago). Essas românticas entidades contém as estrelas mais brilhantes e respeitadas na arte da economia sustentável através da vadiagem coletiva e todas elas reunidas asseguram um grande público para qualquer medíocre espetáculo. Como boa e adestrada platéia nunca irá faltar, só resta mesmo a publicidade, outra aptidão inata a todos os membros do clã. Era preciso muita, mas muita propaganda: folders, banners, outdoors e fotos em jornais. E por fim, muitos discursos vazios que conseguissem convencer o grande público de que a inutilidade do evento traria, através de ações afirmativas, inegáveis benefícios na geração sustentável de renda para nossa nova sociedade participativa, cidadã e inclusiva e promoveria a criação de uma consciência coletiva e solidária e o resgate histórico da cidadania das minorias oprimidas por séculos de políticas neoliberais excludentes que acarretaram na imensa dívida social com a massa de excluídos.
Pavão, encantado e satisfeito, faz seus planos para o futuro e aguarda ansioso a passagem rápida dos poucos dias que o separam do momento de abocanhar sua nova e merecida teta. Quase tão feliz quanto Pavão estava Poliana, que se livrou do peso de ter que arcar com mais um decorativo bobo em seu castelo.