Poliana
estava irritadíssima. Há meses seus bobos não presenciavam suas
conhecidas crises de histeria e pirraça. Andava de um lado a outro
do salão real gesticulando e derrubando o que via pela frente. Seus
gritos esganiçados podiam ser ouvidos do lado de fora do palácio.
Até Imprensa Livre já tivera a oportunidade de escutar seus
ataques. O motivo do destempero da monarca? Mais uma interrupção
histórica nas obras de acesso a Escola de Ensino Superior. Escola
essa, que a rainha parecia acreditar fazer parte do quintal de seu
castelo. Estranhamente, agia e falava como se pertencesse a Poliana.
E por assim pensar, como de costume no seu reinado, tinha mais bobo
sem formação palpitando no local do que operário trabalhando. O
resultado, como quase sempre, era mais uma trapalhada, dessa vez
ambiental, financiada com recursos públicos.
- Eu
não posso acreditar! Quem essa fulana pensa que é para impedir o
avanço das obras no meu trevo?! Tudo por causa de um
banhadinho lamacento e três ou quatro nascentezinhas de rio sem
qualquer serventia? Será que ela não consegue enxergar a
importância histórica da minha obra? Só quer aparecer,
com Imprensa Livre a sua volta, bruaca invejosa!
- Acalme-se
alteza? Tome aqui um chá de cidreira. Tanta irritação não fará
bem para seu delicado estômago de majestade. - intervém Espelho
Mágico, tentando apaziguar os ânimos reais.
- Não
é possível um disparate desses. - continua Poliana, tomando
alguns goles da bebida calmante. - Nós já tínhamos conseguido
enrolar até Justiça. Era questão de poucos dias e teríamos
conseguido aterrar todo aquele banhado inútil. Mandei até nosso
bobo das obras para acompanhar de perto o projeto. Ele me garantiu
que estava tudo dentro dos conformes.
- Com
todo respeito, alteza, mas o bobo das obras não sabe a diferença
entre um rio e um esgoto a céu aberto. - constata o Espelho
Mágico.
- É
verdade. Mas essazinha sabe o que do assunto? Uma metida, isso sim!
- Na
verdade Poliana, ela tem formação e é especialista na área
ambiental. E a tal região é área de preservação permanente.
- Ah
tá! Até você Espelho?! Agora todo mundo vem com esse papinho
enjoado e politicamente correto de preservação ambiental! Se a
gente causar algum dano, depois consertamos. É só plantarmos meia
dúzia de eucaliptos e ciprestes em volta da rótula e está
resolvido, ora bolas.
- O
problema, pelo que entendi, tem a ver com a questão da água. As
obras vão prejudicar a alimentação de um dos rios que abastece o
reino, rainha. Em caso de estiagem poderemos ficar sem água.
- Estiagem,
estiagem! Quase nem temos isso por aqui. Não sei o porquê de se
preocupar com isso logo agora. Eu já decretei que não faltará
mais água no meu reino. Estamos transpondo milhares de recursos
públicos e publicidade para isso.
- Mas
se secarmos o rio transposto, vamos transpor é lama para os
contribuintes. Não parece um bom negócio. - pondera o outro.
- Bom
negócio eu vou fazer depois de concluída a rótula. - acrescenta
a rainha, pensando alto, já mais calma pelo efeito da cidreira - E
esse pessoal do meio ambiente chegou a sugerir que mudássemos a
rótula de local. Que absurdo! Não são engenheiros de trânsito!
Quem são eles para dar pitacos no local da obra. Nós nos
preocupamos com a segurança dos estudantes e motoristas quando
escolhemos criteriosamente o local.
- Nós
quem, alteza? Quem participou do estudo para tomar essa decisão? -
questiona o Espelho Mágico, preocupado.
- Eu
e alguns companheiros, é claro. - reponde a rainha.
- Quantos
eram engenheiros ou conheciam o assunto? - continua o Espelho, já
antevendo a resposta.
- Nenhum,
é obvio! Você sabe como conseguem ser chatos e criteriosos esse
pessoal da engenharia. Se fossemos perguntar a eles ficaríamos
semanas estudando as possibilidades e provavelmente não colocariam
a rótula onde é preciso. É um caso especial de interesse
coletivo. Por isso eu e a companheirada tomamos a frente no
processo. - esclarece a monarca, já um tanto sonolenta.
- Sei...
Tudo apenas pelo interesse coletivo, não é mesmo alteza? -
continua o outro com ironia.
- Você
sabe bem como são essas coisinhas Espelho Mágico. Interesses
coletivos regados a recursos públicos, sempre podem ser nascentes
que alimentam um caudaloso rio de interesses privados. Não podemos
deixar essa fonte secar, não é mesmo? Seria um desastre para
nosso Polianoduto. - conclui Poliana, recostando-se nas almofadas
para um cochilo, com a consciência ambiental sempre tranquila.