sábado, 29 de novembro de 2014

Quase segundo tempo de partida


Poliana, enfim, respirava aliviada. Justiça fora feita. Nossa rainha estava com a alma e a coroa lavadas. A coroa agora era definitivamente sua, ninguém lhe tomaria. Poderia governar soberana, sem o peso da espada de Justiça em seu pescoço. Quantas noites insones por conta das trapalhadas de Justiça – lastimava a rainha. Eta mulherzinha confusa, temperamental e cheia de fricotes! Poliana esperava não ter nunca mais de se confrontar com essa fulana novamente. Esses últimos meses já custaram muito caro para nossa injustiçada rainha. Melhor andar na linha de agora em diante e não correr nenhum risco de encarar novamente essa bruaca.
Mas verdade seja dita, o medo perene da degola fizera Poliana acertar o passo nesses últimos tempos. Sua corte andava mais comedida e nenhum escândalo abalara esse seu segundo reinado. A lâmina de Justiça no pescoço da monarca, fizera com que todos seus vassalos fossem mais cuidadosos com a coisa pública. Até os buracos no asfalto, marca registrada de seu reinado e negligenciados por quatro anos, passaram a ser vistos como problemas de interesse público e combatidos constante e atabalhoadamente nos últimos tempos. Demasiadamente tarde, é verdade. Os buracos se proliferaram em velocidade diretamente proporcional a morosidade de sua alteza em se preocupar com o problema. Agora não havia piche ou tempo hábil que desse conta do dilema. Ao que parece, nossa monarca aprendera, em poucos meses de enroscos com Justiça, que seu povo precisava de uma gestora capaz de atender as necessidades coletivas, não apenas de uma simplória rainha apta a servir linguicinhas em churrascos de periferia. O populismo simplório serve para a manutenção no poder, mas não servirá jamais para colocar uma rainha entre os que fazem ou fizeram a verdadeira diferença nesse reino. E Poliana almejava voos maiores. Sua alteza é, e sempre será, imbatível nos discursos esganiçados, lacrimosos, e na hora de bater uma bolinha e servir pão com linguiça a seus súditos. Nos próximos dois anos tinha a obrigação moral de mostrar que é de fato digna do apreço e dos votos de seu povo. Precisava mostrar competência e zelo pelo dinheiro dos contribuintes. Talvez fosse tarde demais, o tempo se anunciava curto, acreditavam alguns. Nesse segundo tempo de partida, precisaria fazer suas escolhas e tomar partido, mesmo que partindo o coração estrelado de seu clã. Mas Poliana, ninguém duvida, tinha visão de longo alcance. Pensava no futuro e não se deixava dominar por doutrinas ou idealismos fajutos. Sabia a que viera e quem lhe servia. Não pestanejaria na hora de jogar para escanteio aqueles que não lhe tinham serventia. Era hora da companheirada aprender a jogar. A dona da bola e do campo era Poliana. Quem não aceitasse as regras, ou o resultado, que fosse esfriar a cabeça no vestiário. Um emocionante segundo tempo se anunciava. Só uma certeza se consolidara: quem não está com Poliana, está fora do jogo ou é adversário. E, ao que tudo indica, a cor da camisa teria apenas poucas pinceladas de vermelho. 

sábado, 22 de novembro de 2014

Um país de milhões


O velho aguardava pacientemente pelo troco do pagamento do jornal do dia. Recebia, nas mãos enrugadas e já um tanto trêmulas, as poucas moedas. Caminhando em direção ao banco da praça, remexia pensativamente as moedas no bolso. Para ele, assim como para a maioria de seu povo, o troco vinha em moedas e cédulas de pequeno valor. Mas não era assim para todos, descobria-se a cada dia nas manchetes dos jornais. Somos um país rico, muito mais rico do que sonhava seu povo. Um país onde milhão era troco. Gorjeta de estafeta. O mesmo rico país onde 50 milhões de pessoas dependem de esmolas assistênciais para sobreviver. O país dos milhões. Milhões de incongruências. De uma corrupção tão assombrosa que conseguia manter na inércia milhões de brasileiros que, acostumados com troco pequeno, não conseguiam assimilar tantos zeros que lhes foram roubados. Um povo que sequer tinha a clareza de que todo esse dinheiro era seu. Era só dinheiro público, e o que é público não é de ninguém, acredita boa parte dos brasileiros, para sorte dos larápios. Quem não se acha dono, jamais se sentirá roubado. Essa é a lógica simples que alimenta e permite que os piratas do Estado atuem com a certeza da impunidade. O que não é de ninguém é deles, assim comprovam os noticiários dos jornais.
Sentado no banco da praça, o velho observava a imensa bandeira verde e amarela que tremulava tranquila, ao sabor do vento. Intranquilos deviam estar muitos dos saqueadores da pátria, que deviam ter seus futuros conduzidos ao sabor da justiça. Essa era a esperança do povo. É o que se ouvia nas ruas, nos bares, no jogo de bocha, na fila do mercadinho a espera do troco. Era o que esperava esse velho, que já não tinha muito mais tempo para esperar. Ainda tinha esperanças. Sempre tivera, suspira o velho. Mas esperar, por vezes cansa e desanima. Sabia-se agora que éramos um país rico. Restava, agora, nos tornarmos um país decente. A riqueza se faz. A decência se conquista. Tomara que um dia, saibamos valorizar as conquistas e a decência com as equivalentes cifras morais com que se distribuiu, por anos, milhões de gorjetas aos lavadores de dinheiro sujo. Tomara que não demore demais. A primavera estava chegando ao fim, e o verão era curto. A vida e o tempo ensinaram a esse velho que o outono pode ser sombrio, e o inverno pode sempre ser o último. E ainda queria aplaudir a decência em seu amado país, ao menos uma vez em sua vida. Esperava poder saborear com prazer, o gostinho de dar o troco, sorri o velho, travesso e esperançoso, abrindo as páginas de esporte do jornal.

sábado, 15 de novembro de 2014

Onde uma mão lava a outra, várias mãos lavá-se a jato


Em Gigante Adormecido, as coisas, ao que pareciam, jamais seriam as mesmas. Enquanto o mercado financeiro dava mostras de impaciência e descrédito com os rumos da política econômica atual, nossa Rainha Mãe adiava a hora de anunciar um nome para dirigir a economia do reino. Contrariando os evidentes sinais de alerta do mercado, fora visitar a terra dos cangurus e coalas. Quem sabe traria um ornitorrinco para chefiar essa área vital, já que os jumentos que a cercavam pareciam quase tão empacados na economia quanto nossa matriarca.
E se o meio econômico estava inseguro, o meio político estava em polvorosa. Vários peixes graúdos haviam sido presos em processo de investigação de corrupção na maior Estatal de Gigante Adormecido. Tomara que peixes não tenham língua, torcem muitos agentes públicos, pouco entendidos em biologia, mas experts em trambicagem e colecionadores de propinas. Dos ductos dessa antiga potência do petróleo, vazava a cada dia, mais sujeira e imundice. À polícia cabia a difícil tarefa de identificar todas as mãos sujas de corrupção. Pelo ritmo em que andavam as investigações, faltariam algemas para tantas mãos. Aqueles que há poucas décadas bradavam contra a privatização dessa importante estatal petroleira, conseguiram, em uma só década, promover uma verdadeira piratização dos cofres da empresa. O petróleo já não é mais nosso. A conta das propinas e da corrupção continua sendo, é claro.
Os próximos dias e semanas, prometiam ser de inquietude e aflição para muita gente, incluindo nossos ilustres políticos. Os que nunca dormiam de touca, de agora em diante precisariam dormir vestidos. Com roupas confortáveis, e sem cintos ou cadarços (mocassins pareciam a escolha mais acertada pelas normas da polícia). Afinal, nenhum deles queria correr o risco de ser conduzido ao presídio, antes do amanhecer, vestindo apenas cuecas. A preocupação com o decoro é uma conhecida marca dessa gente. Cuecas! Ah, as cuecas! Que saudades dos tempos em que cuecas recheadas de propinas eram o escândalo maior a envergonhar essa Nação. Se não evoluímos na economia, evoluímos, e muito, na corrupção. Não haveriam cuecas suficientes no mundo que conseguissem albergar tanto dinheiro roubado nesse peculiar reino, de corruptos tão ousados e de um povo tão convenientemente servil. Que esperemos todos pelos próximos capítulos, não da novela - antigo ópio do povo - mas das páginas de política, onde quem reinava eram a polícia e os piratas vermelhos do dinheiro público.

domingo, 9 de novembro de 2014

Oposição renasce dos votos


Enfim, um milagre! Na verdade, milhares deles, chamados votos, fizeram renascer das cinzas a múmia decrépita e sonolenta que há anos hibernava em berço esplêndido. Oposição finalmente acordara! Se mexia. Respirava. Até bradava! E com que força e ânimo bradava. Um fato cientificamente surpreendente que, após 12 anos em estágio vegetativo, conseguisse se movimentar e se articular com razoável coordenação. O povo mal conseguia acreditar em tal feito. Nem se lembrava que Oposição ainda vivia. Afinal, o povo só conhecera oposição vestida de vermelho e com estrelas nos olhos. Situação estava aturdida. Democracia sorria satisfeita, pois Oposição viva e ativa faria bem a todos. Ao povo, e principalmente à Democracia.
E com que ímpeto e fôlego adentrava Oposição em campo. Os comatosos anos de pasmaceira, negligência e omissão, pareciam ter, de fato, ficado no passado. Oposição exigia ética e respeito ao dinheiro dos contribuintes. Defendia a moralidade em Gigante Adormecido e o combate intransigente a corrupção e a punição de corruptos. E o respeito a Democracia. Gritava, como gritaram em outros remotos tempos, companheiros e estrelas de primeira grandeza, contra a manipulação traiçoeira e imoral das pessoas menos favorecidas de futuros e esperanças e, necessariamente assistidas por benefícios assistenciais. Criticava com ardor e legitimidade, o incentivo asqueroso à luta de classes, etnias e convicções. Prometia lutar pela liberdade de imprensa e a transparência com a coisa pública. Defendia a autonomia dos poderes legitimados e instituídos.
Uma Oposição golpista, é claro! Pregar um reino onde corruptos sejam investigados e condenados. Onde pobres tenham estudo e emprego e não necessitem de programas assistenciais. E onde todos, sem distinção, sejam cidadãos iguais, de fato e de direito, sendo eles pobres, negros, brancos, sulistas, nordestinos, índios, transexuais, homossexuais, ateus, crentes, católicos, analfabetos ou doutores, é puro idealismo golpista. E capitalista! Não existe justiça social sem confronto e luta de classes. Sem apartheid, ódio e intolerância. Sem nós, contra eles. Sem bons, contra os maus. Assim nos ensinou a última jornada à Horário Eleitoral. Cabe a renovada Oposição mostrar o contrário.
Que Oposição saiba trilhar um caminho diferente. Que não abandone o discurso da ética em troca de poucos parlamentares favores. Os milhares de opositores, que hoje surgem em Gigante Adormecido, que não se voltem contra os desfavorecidos, que por necessidades diárias e urgentes, não podem abdicar do assistencialismo cabresteiro, mas que serão sempre cidadãos dessa nossa pátria. Pode-se questionar, suas consciências na hora do voto, mas sem esquecer que a quem não é dada a dignidade da autonomia e subsistência, não é coerente ou justo se cobrar ideologias e consciência cívica. Ideologias e condutas morais e éticas devem ser cobradas de nossos parlamentares, bem alimentados e remunerados. E que mesmo assim, sendo de Situação ou Oposição, se vendem por imorais bolsas de apadrinhamentos, mensalinhos ou mensalões. Que essa Oposição, que ora surge, traga algum alento e crédito aos milhões de cidadãos que não compactuam com a imoralidade e frouxidão de caráter de seus governantes. Que seja forte, destemida, combativa e digna da maioria do povo dessa terra. E que os represente. Assim espera Democracia.

sábado, 1 de novembro de 2014

A democrática dança dos palanques no reino de Poliana


Enfim, terminara a turnê a Horário Eleitoral. Entre difamados e ofendidos, salvaram-se todos, afinal. Vencera a democracia. Mas, no reino de Poliana, dificilmente as coisas seriam como antes. Durante as últimas semanas, a confusão tomara conta da sólida coligação que suportava nossa rainha. Os súditos, pouco conhecedores dos submundos da política, já não entendiam mais nada. Era um tal de corre de um palanque, pula em outro palanque. Larga uma bandeira, abana outra bandeira. Tinha gente que vestia uma camisa até as 18 horas, para cuspir de ódio e asco na mesma camisa todo final de tarde e até a manhã seguinte. Os bobos da corte, tradicionalmente apalermados, se dividiam na difícil tarefa de bajular Poliana, para logo em seguida, se juntar a velhos adversários de sua alteza. Um verdadeiro disparate! Mas, em tempos de disputa por mais poder e muitos carguinhos, tudo é permitido nessa terra. Da prostituição de convicções à troca e venda de favores. Coisas que só quem é do ramo entende. O povo, ignorante na arte, assistia a tudo perplexo.
Até os servos de carreira do castelo de Poliana, aqueles que não estavam alinhados ideologicamente com a rainha e seus aliados, acostumados a sofrer por anos com as perseguições da corte, estavam empolgados com essa democrática onda que tomara conta da corte e da rainha. Acreditavam que nesse clima tão tolerante, de agora em diante, seria permitido aos servos reais terem opinião própria também. Poderiam, quem sabe, discordar, sem medo de perder a cabeça ou ser jogado aos calabouços por anos. Quem sabe, aqueles que opinassem, discordassem ou criticassem, fossem, daqui para frente, vistos apenas como cidadãos com capacidade de raciocínio e posicionamentos, e não asquerosos infiltrados de Oposição. Àqueles que nutrem essa esperança, Poliana, seus bobos e a velha e boa política, ensinam: Horário Eleitoral terminou, minha gente! Confronto de ideias, opiniões e divergências, não serão mais tolerados. Quem, por algum minuto, acreditou que isso seria possível, deve ter acreditado em todas as mentira proferidas na televisão. Era só política em tempos de pleito, meu povo! Não sejam estúpidos! Não há lugar para sonhadores e crédulos nessa política e nesse reino. Aos discordantes, como sempre fora, a guilhotina. E aos discordantes dentro da própria corte da rainha? Bem, isso, o tempo dirá. Agora era hora de comemorar a vitória. E, por estranho que pareça, justo nossa monarca Poliana, alinhadíssima com a novamente entronada Rainha Mãe, talvez tenha saído desse característico período da história democrática do reino, como a maior perdedora entre os ganhadores. Ganhar perdendo, deve ensinar uma nova lição a nossa poderosa e carismática rainha. Esperamos todos, que a faça crescer e amadurecer um pouco mais. Como amadurece, a cada dia, nossa peculiar democracia